Alma de Jardineira

sábado, novembro 26, 2011

para medir o tempo de uma vida

(...)
Não sei bem acordar vivo destas coisas:
aproveito o ruído do entardecer e grito muito alto
deixo-te um instante só (um instante só)
para fechar os olhos que tanto ardem
ou atiro das margens folhas ao rio
para medir o tempo de uma vida
a naufragar

José Tolentino Mendonça

terça-feira, novembro 22, 2011

da fronteira entre o riso e a manhã

(...)
toda a vã tarefa do poeta: nunca
buscar a flor da fronteira entre
o riso e a manhã
exigir o cacto ou a bruma - este
manso sereno construir
nos dedos ou no olhar
da agonia pela noite
ou por este súbito desespero

abrupto: teus passos
na cidade imersa

David Pinto Correia

sexta-feira, novembro 18, 2011

as poucas alegrias que tive no mundo

Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. (...)

Miguel Torga, in "Diário (1942)"