Alma de Jardineira

segunda-feira, março 22, 2010

que desejo de outras coisas


Que inquietação profunda, que desejo de outras coisas
Que nem são países, nem momentos, nem vidas,
Que desejo talvez de outros modos de estados de alma
Humedece interiormente o instante lento e longínquo!


Álvaro de Campos

domingo, março 21, 2010

no silêncio cercado

(...)
Só, no silêncio cercado pelo som brusco do mar,
Quero dormir sossegado, sem nada que desejar,
quero dormir na distância de um ser que nunca foi seu,
Tocado do ar sem fragrância da brisa de qualquer céu.

Fernando Pessoa

segunda-feira, março 15, 2010

desembrulhar-me e ser eu

(....)
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu (....)

Alberto Caeiro

quinta-feira, março 04, 2010

simplesmente uma palavra a mais


e mais uma palavra
é simplesmente uma palavra a mais

inevitável uma solidão
- uma mais pura solidão
de olhos que queimam o
descanso em todas as cores -

há um tempo sonolento
nesta cidade de fuligem
queimada do carvão
dos meus olhos

resta o esforço
de aproximação inocente
às ruas e aos minutos

ou não resta nada

Dinarte Vasconcelos

terça-feira, março 02, 2010

no vagaroso andar da chuva

(...)
Reconheço no vagaroso
andar da chuva o corpo do amor:
vem ferido: nas suas mãos
como dormir?
Como enxotar a morte: esse animal
sonâmbulo dos pátios da memória?

(...)
Eugénio de Andrade

segunda-feira, março 01, 2010

uma semente que estremece

Em cada fruto a morte amadurece,
deixando inteira, por legado,
uma semente virgem que estremece
logo que o vento a tenha desnudado.

Eugénio de Andrade