Alma de Jardineira

domingo, maio 31, 2009

e um pássaro a morrer

(.....)

E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,

sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.

Fernanda de Castro,

sábado, maio 30, 2009

Nos faltamos, amor, y nos morimos

(...)
Te digo que estoy solo y que me faltas.
Nos faltamos, amor, y nos morimos
y nada haremos ya sino morirnos.
Esto lo sé, amor, esto sabemos.
Hoy y mañana, así, y cuando estemos
en nuestros brazos simples y cansados,
me faltarás, amor, nos faltaremos.

Jaime Sabines

sexta-feira, maio 29, 2009

num sítio tão frágil como o mundo

Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição

Onde tudo nos quebra e emudece

Onde tudo nos mente e nos separa.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, maio 28, 2009

Às vezes as coisas dentro de nós



O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.

Fiama Hasse Pais Brandão

quarta-feira, maio 27, 2009

há em toda a beleza uma amargura


Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que é latente
ambígua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscura


Walter Benjamin

terça-feira, maio 26, 2009

estar só é estar no íntimo do mundo

Por vezes cada objecto se ilumina
do que no passar é pausa íntima
entre sons minuciosos que inclinam
a atenção para uma cavidade mínima
E estar assim tão breve e tão profundo
como no silêncio de uma planta
é estar no fundo do tempo ou no seu ápice
ou na alvura de um sono que nos dá
a cintilante substância do sítio
O mundo inteiro assim cabe num limbo
e é como um eco límpido e uma folha de sombra
que no vagar ondeia entre minúsculas luzes
E é astro imediato de um lúcido sono
fluvial e um núbil eclipse
em que estar só é estar no íntimo do mundo

António Ramos Rosa

segunda-feira, maio 25, 2009

En las hojas del tiempo

(...)
¿Qué fácil es la ausencia?

En las hojas del tiempo
esa gota del día
resbala, tiembla.

Jaime Sabines

domingo, maio 24, 2009

Louvor do esquecimento


(....)

Como se levantaria, sem o esquecimento

Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?

Como é que o que foi espancado seis vezes

Se ergueria do chão à sétima

Pra lavrar o pedregal, pra voar

Ao céu perigoso?


A fraqueza da memória

dá Fortaleza aos homens.


Bertol Brecht

sábado, maio 23, 2009

de olhos deslumbrados

Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Ary dos Santos

sexta-feira, maio 22, 2009

A erva cresce ao redor de mim


(...)
A erva cresce em redor de mim,
os limões ficaram ressequidos sobre
a toalha bordada, num canto da mesa.
O amor tudo mata quando morre,
detendo no seu movimento elementar,
a máquina que ilumina o coração do dia.

José Jorge Letria

quinta-feira, maio 21, 2009

para disfarçar a natureza

As flores
são formas
de que a pintura se serve
para disfarçar
a natureza. Por isso
é que
no perfil
duma flor
está também pintado
o seu perfume.

Albano Martins

quarta-feira, maio 20, 2009

Foi para ti que desfolhei a chuva

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
(...)

Mia Couto

terça-feira, maio 19, 2009

a noite onde cresce o teu corpo azul


Adulta é a noite onde cresce
o teu corpo azul. A claridade
que se dá em troca dos meus ombros
cansados. Reflexos coloridos.
Amei o amor. Amei-te meu amor sobre ervas
orvalhadas. Não eras tu porém
o fim dessa estrada
sem fim. Canto apenas (enquanto os álamos
amadurecem) a transparência, o caminho. A noite
por ti despida. Lume e perfume
do sol. Íntimo rumor do mundo.

Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita"

segunda-feira, maio 18, 2009

Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso


que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso

E. E. Cummings

domingo, maio 17, 2009

Poema da flor proibida


Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.

Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.

Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.

Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.

Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.

António Gedeão

sexta-feira, maio 15, 2009

soñando rosas e inventando estrellas


Te quiero, amor, amor absurdamente,
tontamente, perdido, iluminado,
soñando rosas e inventando estrellas
y diciéndote adiós yendo a tu lado.

Jaime Sabines

quinta-feira, maio 14, 2009

Inventar a cor primeiro das laranjas

Inventar a cor primeiro das laranjas
depois o sol escorrendo dos lábios
só depois o trevo só depois a neve.

Eugénio de Andrade

terça-feira, maio 12, 2009

a infância antiga

(....)

Desgarrada era a voz das primaveras

Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce


Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, maio 10, 2009

e os olhos água

Onde passou o vento
São altas as ervas,
e os olhos água
só de olhar para elas.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, maio 08, 2009

Poema de La Despedida


Te digo adiós, y acaso te quiero todavía.
Quizá no he de olvidarte, pero te digo adiós.
No sé si me quisiste... No sé si te quería...
O tal vez nos quisimos demasiado los dos.

Este cariño triste, y apasionado, y loco,
me lo sembré en el alma para quererte a ti.
No sé si te amé mucho... no sé si te amé poco;
pero sí sé que nunca volveré a amar así.

Me queda tu sonrisa dormida en mi recuerdo,
y el corazón me dice que no te olvidaré;
pero, al quedarme solo, sabiendo que te pierdo,
tal vez empiezo a amarte como jamás te amé.

Te digo adiós, y acaso, con esta despedida,
mi más hermoso sueño muere dentro de mí...
Pero te digo adiós, para toda la vida,
aunque toda la vida siga pensando en ti.


Jose Angel Buesa

quarta-feira, maio 06, 2009

ironias dos Deuses desleais


Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

Miguel Torga, in 'Diário XV'

terça-feira, maio 05, 2009

Aquestas noites tan longas


Aquestas noites tan longas
que Deus fez en grave día
por mí, por que as non dormio
e por que as non fazía
no tempo que meu amigo
soía falar comigo?

Porque as fez Deus tan grandes
non posso eu dormir, coitada,
e, de como son sobejas,
quisera eu outra vegada
no tempo que meu amigo
soía falar comigo.

Porque as Deus fez tan grandes
sen mesura desiguaes
e as eu dormir non posso,
porque as non fez ataes
no tempo que meu amigo
soía falar comigo?

Cantiga d'Amigo por Juião Bolseiro

sábado, maio 02, 2009

Foi para ti que criei as rosas

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, maio 01, 2009

abrirás nas mãos de quem te espera

Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.

Eugénio de Andrade