Alma de Jardineira

sábado, fevereiro 28, 2009

uma pequena folha



Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Troquei o ceú azul pelos teus olhos




Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor

Ruy Belo

terça-feira, fevereiro 17, 2009

LA CASA DEL SILENCIO



LA CASA dei silencio

se yergue en un rincón de la montaña,

con el capuz de tejas carcomido.

Y parece tan dócil

que apenas se conmueve con el ruido

de algún árbol cercano, donde sueña

el amoroso conclave de un nido.


Tal vez nadie la habita

ni la quiere,

y acaso nunca la vivieron hombres;

pero su lento corazón palpita

con profundo latir de resignado,

cuando el rumor la hiere

y la sangra dei trémulo costado.


Imagino, en la casa dei silencio,

un patio luminoso, decorado

por la hierba que roe las canales

y un muro despintado

ai caer de las lluvias torrenciales.


Y en las noches azules,

la pienso conturbada si adivina

um balbucir de luz en sus escaños,

y la oigo verter con un ruido

ya casi imperceptible, contenido,

sul loro paternal de tres mil años.

JOSÉ GOROSTIZA (1925)

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

hacia dónde va mi corazón


No me digan ustedes en dónde están mis ojos,
pregunten hacia dónde va mi corazón.

Jaime Sabines

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

talvez então me digas quem é Deus



Onda a onda o desejo no
teu rosto de mágoas e de torres
levemente descaídas para
onde não sei se nasces ou se morres
quando os meus dedos cítara a cítara
tocam a música do teu corpo nu
lá onde os teus mistérios serão meus
e chegarei às margens onde tu
talvez então me digas quem é Deus.

Manuel Alegre

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Todo se hace en silencio

YO NO LO SÉ DE CIERTO, pero supongo
que una mujer y un hombre
algún día se quieren,
se van quedando solos poco a poco,
algo en su corazón les dice que están solos,
solos sobre la tierra se penetran,
se van matando el uno al otro.

Todo se hace en silencio. Como
se hace la luz dentro del ojo.
El amor une cuerpos.
En silencio se van llenando el uno al otro.

Cualquier día despiertan, sobre brazos:
piensan entonces que lo saben todo.
Se ven desnudos y lo saben todo.

(Yo no lo sé de cierto, pero lo supongo.)

JAIME SABINES

terça-feira, fevereiro 10, 2009

As mãos pressentem



As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

Al Berto

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

E tudo era possíel era só querer

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio e era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo

Do mar que cantava só para mim



As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andressen


domingo, fevereiro 08, 2009

pescar luz caída


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

sábado, fevereiro 07, 2009

intervalo



O Universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.

António Gedeão

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

no breve espaço de beijar



O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.

O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

(Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”)

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Porque eu desejo impossivelmente o possível


Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

Álvaro de Campos

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Inocência


Hei-de morrer inocente

exactamente
como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.

António Gedeão

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

dois pares e meio de asas

Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.

- Como quereis o equilíbrio?


David Mourão-Ferreira

domingo, fevereiro 01, 2009

Todo o nada que és é teu


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Fernando Pessoa, Janeiro de 1931